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Entre proteção e cuidado

setembro 15, 2013

é possível que exista uma diferença – às vezes grande, às vezes tênue – entre os movimentos de Cuidar e de “Proteger”.

Ambxs envolvem, em algum sentido, a preservação de um objeto, de um ser, de outra pessoa, etc…
Me parece que uma parte dessa diferença está na existência, ou não, de uma relação de “propriedade” com aquilo que ativa nosso movimento.

“Proteger” envolve uma atitude de preservar algo que consideramos “nosso” – ou que consideramos “de outra pessoa”. É uma relação onde as coisas/seres/pessoas não têm valor por si mesmxs, mas simplesmente pelo lugar utilitário que ocupam na sua vida ou na de outrem – e é isso que determina os gestos que se tomam por sua preservação.

“Cuidar”, por sua vez, só pode existir com aquilo/aquelxs que cessamos de estabelecer uma relação proprietária, dando vez a uma relação ética de responsabilidade pelos efeitos de como agimos perante a alteridade de uma determinada pessoa/ser vivente/ objeto.

Se a lógica da “proteção” é utilitária, a manutenção da eficiência, a manipulação, o cuidado pressupõe uma posição reconhecer que não podemos simplesmente dispor das coisas conforme são úteis para nós. E, justamente por não poder “dispor delas”, nos demanda um aprendizado muito mais rigoroso de como agir com elas.

É impossível ter uma relação de cuidado com uma casa que penso ser “minha”. Se penso que os objetos ali presentes precisam dobrar-se à conveniência dos meus hábitos, ou exclusivamente à eficiência do meu cotidiano, essa relação só pode implicar em algum tipo de desleixo. No melhor das hipóteses, “protejo” a organização da casa – para garantir-lhe uma eficiência utilitária – mas essa eficiência certamente vai criar uma assepsia tão insalubre quanto a tirania de uma “desordem” ao sabor das próprias conveniências.
Em todo caso, não construo uma relação de respeito à alteridade do espaço.

O mesmo vale para a relação com os animais – o que responde a falsa acusação de que, ao adotar umx cãx ou gatx para o mundo doméstico, necessariamente se está “aprisionando” outro ser.
Deixar animais na rua – dentro de um espaço urbano totalmente regido por necessidades humanas – não envolve qualquer tipo de respeito à alteridade dxs mesmxs. A relação adotiva pode, de fato, recair no viés da “proteção” – em que le cãx ou gatx é reduzidx a mero objeto de estimação para “le donx” -, mas existe a possibilidade de se construir uma afetação ética em que, justamente por não se pôr como proprietárie do animal, constrói-se uma atenção rigorosa à sua singularidade, suas necessidades, possibilitando uma relação de cuidado em que a parte humana se torne um pouco menos humana (menos racional, menos utilitária).

Amar com todas as forças aquilo que não demarcamos como “propriedade” é uma ética extremamente rigorosa e exigente, que parece muito pouco com os mantras simplistas de “liberar geral” – porque pressupõe um movimento exaustivo, por vezes doloroso, de sair das nossas próprias expectativas, necessidades, utilidades. Sem abrir totalmente mão delas, mas nos permitir jogar com elas.

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